Entendendo um pouco sobre a dor do amor

          
         

          Eis uma questão que sempre aparece no nosso dia a dia. Não só nas conversas do cotidiano, mas na clínica, pois a própria clínica é uma demanda de amor. Esse é um assunto que gera interesse e ás vezes resistência em querer se falar. Pois queremos amar, mas do amor pouco se sabe ou queremos saber. Das experiências na vida ditamos nosso entendimento sobre ele. O amor encanta por supostamente preencher alguma coisa em nós. Às vezes preenche expectativas, preenche sonhos, esperanças de algo para o futuro, e também aquilo que faz com que às pessoas procurem mais ainda esse amor:  realizar uma completude com o outro; o outro começa a fazer parte de nós, preenchendo espaços que em nós nos falta. Entretanto, isso pode ser justamente a fonte das brigas nos relacionamentos. Essa espera de que o outro vai nos oferecer algo que esperamos, pois supostamente oferecemos algo que ele espera.
Tudo isso entra no campo do “supostamente”. Pois não sabemos bem como o par da relação irá se entregar no relacionamento. Somos seres que desejam, temos desejos distintos, diferentes uns dos outros. E por isso esses desejos distintos de cada um em dados momentos entram em conflito e brigas acontecem. É por isso que na realidade não existe complementariedade, não existe o famoso “tornar-se um”. Isso é uma fantasia que os adultos querem acreditar, como quando crianças acreditando em papai noel.  “Tornar-se um” seria ambos estarem imersos em interesses totalmente em comum, mas nem os interesses são iguais, e nem o prazer que cada um sente pelo outro é igual. Cada um sente o prazer pela sua própria perspectiva. Isso torna sempre presente a divisão de que cada um é cada um, cada amor e entrega é diferente da do outro. E, algo mais direto a se dizer, o outro não irá nos preencher, no máximo estará atingindo algumas bordas de uma forma mais extensa desse buraco que sentimos, esse vazio de nosso ser (sobre esse vazio eu já escrevi em um outro texto no blog).
Amar é uma rota para o prazer e para a dor, não porque existe pouco esforço para que a dor não apareça ou porque às pessoas são imaturas demais para lidar com ele, mas porque amar não cabe na razão, não cabe num simples “Eu te amo, meu amor!”.  Muitos amam esperando ser amados, e não receber o que se espera gera frustração e até angústia. Amar é destinar nosso eu, nosso ego para o outro e correr o risco dele ser ferido a qualquer momento. E cada leve ferida nos faz reagir ou a nosso favor ou contra nós, a favor nos defendendo das discussões ou contra aceitando que estamos errados mesmo sem entender muito bem porque se aceita isso. Mas qual seja essa direção, temos que lidar com as consequências.
É como Clarice Lispector escreveu uma vez: “Amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor”. Cabe bem ai o porquê de sofrermos, porque a dor do amor é a dor de uma desilusão de algo que supomos que seja, mas que na verdade não é como se espera receber.  Como em uma conversa com um colega há poucos dias, as pessoas nos relacionamentos parecem que esperam garantias. Existem formalidades como alianças, casamentos, documentos, rituais que dariam algum grau de garantia daquele amor do outro que pode ser afinal, nosso. Entretanto, as discussões e ciúmes nos relacionamentos se dão nesses pontos. Nada dessas formalidades e rituais é uma garantia de amor concreto, nada garante que o amor perdure, e ainda sim existe essa cobrança para com o outro. O “felizes para sempre” também e uma fantasia pintada de várias cores. E o ciúme anda na direção do medo de perder de sermos amados.
Amar é projetar aquilo que aprendemos do que é ser amado e o que não é o amor e então destinamos esse amor. Mas amar não cabe em uma frase. Amar é a entrega de si, por isso fere o narcisismo de cada um, por isso o outro pode dilacerar o ego do amante (aquele que ama), por isso a dor do amor machuca tanto. Amamos narcisicamente. Ou, talvez seja mais fácil entender o que não é o amor, como diria Ana Suy Sesarino: “O amor não é a esperança – ancorada na realidade – de que dias melhores virão. O nome disso é sexta-feira. Amor é outra coisa”. Pois dele é difícil de entender.

Essa pode ser uma visão mais crua do amor, mas não quer dizer que ele seja ruim. Pelo contrário, se até aqui o amor pode parecer pessimista, do outro lado ele pode carregar algo tão prazeroso que justamente se equilibra com esse pessimismo, às vezes oferecendo muito mais, às vezes oferecendo menos. Cabe a cada um persistir em buscar o que quer, é muitas vezes, sem entender direito porque ama. E apenas amar.

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