Por que na psicanálise é dito que “não há relação sexual”?




Existe uma concepção romântica de que no auge da relação entre duas pessoas, quando se permitem a entrega ao sexo, elas finalmente realizam o complemento de suas almas, a completude dos seus seres – talvez o casamento transmita isso também. É como se finalmente “dois se tornassem um”. É como se o homem e a mulher, ou o casal que ali se forma (homem/homem, mulher/mulher) chegassem ao ápice da união quando seus corpos desfrutam do sexo. Existindo como que um reencontro que se torna possível por essa via. O encontro de partes que de alguma forma se tornam como um todo.
É interessante que Freud referencia o mito descrito por Aristófanes no livro Banquete (de Platão), onde existem não duas espécies (macho e fêmea), mais três. Essa terceira espécie era chamada andrógeno. Possuidora de um corpo arredondado se destacava por possuir quatro braços, quatro pernas, dois rostos, dois genitais, quatro orelhas etc. Eram consideradas criaturas muito corajosas e que acabaram por decidir escalar o céu e atacar os deuses.  Zeus, em um impasse do que deveria fazer para castigar a investida, decide por partir ao meio, com um raio, cada uma das criaturas andrógenas, dividindo-as assim em um conjunto igual, ou seja, agora cada parte teria a metade do que era o todo: dois braços, duas pernas, um órgão genital etc. Após o ocorrido, as partes começaram a procurar a sua outra metade, e, quando a encontravam, se mergulhavam numa dependência de estarem juntas de novo, a ponto de morrer de fome e inércia por não quererem mais se separar. E quando uma dessas partes morria, a outra continuava a procurar uma outra metade, mesmo não se tratando da metade original. Essa busca pela parte original faria com que ocorresse a busca tanto heteroafetiva quanto homoafetiva. Dai a busca por uma união de querer tornar dois, um novamente.
Mas Lacan, em seu aforismo “não há relação sexual”, nos explica que, em outras palavras, 1 + 1 é sempre igual a 2 pela lógica matemática, e que nunca será 1 + 1 = 1. Tal lógica se aplica nos relacionamentos, pois não existe uma forma de coexistir um gozo* de seres distintos numa única forma.
*O termo “gozo” aqui se refere a um conceito teórico lacaniano que representa uma ultrapassagem dos limites do princípio do prazer.
Ainda que numa relação o casal tenha um consenso em relação ao sexo e se permitam ao envolvimento, o prazer e mesmo o gozo é próprio de cada um, não podendo ser compartilhado em um mesmo corpo. Ou seja, um corpo só goza na forma que ele aprendeu a gozar, não podendo absorver e gozar tal como outro corpo que também aprendeu a gozar de forma particular. Dai a dúvida do que o outro goza. O próprio sexo é uma representação da falta que lidamos o tempo todo (já escrevi sobre isso em outro artigo), pois ainda que exista a conjunção genital, questiona-se de como o outro goza. Nesse sentido, quando Jacques Lacan soltou esse aforismo, o que ele estava se referindo era de que não existe uma complementariedade, não existe um contexto perfeito que irá tornar as relações completamente felizes e satisfatórias. Essa é uma fantasia vendida em algumas novelas, filmes, livros etc., que cria um tipo de ilusão que torna difícil lidar com a tristeza nas relações. Não há uma relação “total” pela via natural, apenas uma concepção cultural sobre sua existência. Às relações seriam parciais.  Ainda que possa parecer pessimista, mesmo Freud considerava improvável esse desfecho para as relações, nunca sendo possível, em palavras atuais, um “E viveram felizes para sempre”.  

Para finalizar, esse texto não quer dizer que toda relação está fadada a exclusividade do que é ruim. Não, pelo contrário. Estar numa relação é saudável de várias formas diferentes. Nos faz bem e crescemos com isso. No final, é como se o que compensasse o não existir relação sexual fosse algo que o equilibra de alguma forma, e  às vezes de forma muito intensa, que é o amor. Amar pode fazer maravilhas, ser amado pode fazer maravilhas. Mas parece que é preciso de um lado cair na realidade das possibilidades de uma felicidade concreta e remover o véu de uma fantasia utopia de cobre as relações, assim, sofrendo menos com elas.

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