Pense na
seguinte situação: Muitas pessoas estão numa plataforma de embarque –muito mais
do que o normal – e vemos uma área extensa de estacionamento para os ônibus,
mais do que a vista consegue alcançar. Muitas pessoas começam a entrar nos seus
respectivos ônibus, mas não todo mundo. Dos que não vão embarcar e ficam na
plataforma existem aqueles que querem saber qual é o local de chegada, às vezes
andando alguns passos até a frente da plataforma, onde se encontra a descrição
do “Destino”, mas rapidamente dão meia volta e ficam sem entender direito se
leram certo ou tentam esquecer o que leram. Outras não querem nada que possa
fazer lembrar que existe um destino já traçado, pois acreditam que viajar é
terrível! Já os que entram nesse ônibus
sabem que existe um percurso ainda para que só depois se chegue ao desfecho.
Mas de qualquer forma todos, em algum momento de suas vidas, precisarão fazer
essa viagem.
Essa é uma
metáfora que representa que o “embarcar” seria o momento em que enfrentamos a
angústia de que temos um destino final, seja quem for que tenha ficado na
plataforma enquanto os outros começam a pegar a estrada. O “entrar no ônibus” representa um lidar com a
informação de que existe a morte como algo inevitável, que somos meros passageiros
nesse momento que vivemos, que é necessário lidarmos com essa angústia (cada
qual a sua maneira) e que isso permite um olhar sobre a vida. Embarcar é viver a vida sabendo que existe a
morte e que o destino final esperado é ela, ainda que não saibamos
necessariamente quando isso vai acontecer. O embarcar é um saber, o viajar é um
lidar com a angústia de saber.
Quem entra
nesse ônibus pode ir para outros lugares ou mesmo retornar para a plataforma de
embarque onde estarão essas pessoas que nada querem saber do que acontece
depois de se embarcar, nada querem saber da morte. E o que acontece? Acontece que se olha a estrada (a vida) com outros olhos. E muitas
vezes os olhos tentam agarrar mais os segundos naquilo que vê, nas sensações do
que o corpo toca ou quem ele toda, dos gostos das refeições, naquilo que
entendemos como um desejo que se quer alcançar, na atenção prestada na voz do
motorista que diz que se chegou a tal lugar (chegamos ao momento das conquistas
que esperávamos) e que ainda não se sabe quanto tempo iremos levar para chegar
ao último (a morte). Pode-se também identificar que não se quer chegar a tal
lugar (percebesse que não é o suficiente e que queremos mais, outras
conquistas), pois não te interessa permanecer naquele cenário, e sim outro
(volta-se a procurar o que se deseja).
Eventualmente um dia algum passageiro
irá descer e alguém novo irá entrar, e olhará para nós e pensará que chegamos ao
nosso destino, mas ele não. Ele ainda não. Assim como fizemos quando olhamos
outros que passaram pelo corredor até a saída. O ônibus representa o
entendimento de que somos finitos, de que existe um destino comum a todos, que
é a morte, e que existem aqueles que não pensam nela, não a aceitam, são os que
ficam na plataforma. Existem pessoas que pensam sobre ela e são aquelas que
querem chegar até a frente do ônibus e ver seu destino, mas voltam com medo de
que ver o destino seja como uma sentença sobre a vida. Os que ficam na
plataforma sem querer nada saber são geralmente jovens, crianças, ou quem
fechou para si que “isso não vai acontecer comigo”, ainda que dito de outras
formas, mesmo com o não dito. Mas uma hora paramos para pensar sobre a morte. E
é ai que entra uma certa leveza que demora para se instalar. Não se trata de
ficar pensando o tempo todo que vamos morrer, mas em chegar um momento que
temos que lidar com essa informação. Nós vamos passar por ela, e por mais
doloroso que seja aceitar isso (ainda que existam outras perspectivas do que se
acontece após a morte), quando aceitamos, viver a vida se torna algo mais
simples, quanto a termos preocupações mais de encontro com o que queremos de
verdade, sem se importar tanto com a opinião de outras pessoas – um exemplo
disso é a música Epitáfio dos Paralamas do Sucesso: “Deveria ter amado mais”. Somos
responsáveis pelo caminho na vida que escolhemos – ainda que não saibamos bem como
somos impelidos a agir de tal maneira – até chegarmos ao destino final. E é
necessário muito esforço para se lidar com a angústia da finitude. Mas uma vez
encarada, isso traz um processo de maturidade para a vida.
Entrar nesse ônibus pode nos oferecer possibilidades de enxergarmos de
uma forma diferente a vida do que aqueles que ficam na plataforma. Não somos
sentenciados a morte por saber que vamos morrer, vamos morrer mesmo sem querer
nada saber disso. Então, ao entender a morte podemos entender a vida. Freud
disse certa vez, “Se queres aguentar a vida, prepara-te para a morte”. Provavelmente
todos irão se angustiar por saber que vão morrer em algum momento, mas que ao
compreender as nossas próprias limitações e encontrar alguma espécie de “saída”
para essa angústia (por um saber sobre), é como se fossemos impulsionados a
fazer algo novo, algo diferente. É como se ganhássemos coragem de sair de uma
profissão pouco satisfatória, é refletirmos sobre nossos relacionamentos e relevar
muito mais as brigas, e definir de vez uma posição sobre a própria sexualidade
e tantas e tantas e tantas coisas. É aceitar que somos responsáveis pelo que
queremos e, mesmo precisando de ajuda de outras pessoas, no final precisamos
bater o martelo para o que faz com que nossa vida tenha algum sentido, pois a
vida não tem sentido além do que damos para ela. Mas não quer dizer que seja
fácil aceitar isso. Não é fácil embarcar nessa.
Essa é apenas uma perspectiva entre outras que podem existir quando
lidamos com esse assunto. Não se trata de que todas as outras visões (reencarnação,
paraíso etc.) sejam desconsideradas, apenas aqui uma representação de um
pensamento sobre esse tema.
Leandro Winter
Comentários
Postar um comentário