Às vezes leio
alguns comentários pela internet, vejo algumas reportagens ou vídeos que falam
vagamente sobre algum conhecimento da psicanálise, e que me faz acreditar que
ela é vista por algumas pessoas como um sinônimo de uma teoria do genital – e
muitas vezes direcionado ao genital masculino – que explica o comportamento
humano, e que de alguma forma fica associada à questão da sexualidade com o
sexo. Achei curioso, pois no início da psicanálise de Sigmund Freud e sua
divulgação para a sociedade (por volta do começo do século XX), ela era
considerada um pansexualismo na maioria dos países em que se propagou. Essa
teoria não era bem vista na época (e talvez hoje em dia também, em certos aspectos),
ainda mais quando Freud afirmou que crianças também lidam com questões da sua
sexualidade, antes da adolescência, o que naquele tempo era considerado um
absurdo. A própria sociedade em que Freud vivia era reprimida quando se referia
a questões sexuais, o que torna mais claro as dificuldades que teve de
enfrentar quando apresenta sua teoria a uma sociedade vienense mais
conservadora.
O fato é que
quando o pai da psicanálise fala da sexualidade, algumas pessoas associam com o
genital e com o sexo. Mas na realidade a sua teoria era bem diferente do que
era considerada a Sexologia daquela época. Por conta disso é preciso conhecer
alguns pontos para se entender melhor essa teoria e do que ela está falando.
Por exemplo, justamente, que quando se fala de sexualidade isso não corresponde
ao erotismo genital.
Para iniciar, quando
falam popularmente da questão fálica, e isso entra em muitos contextos, esse
termo às vezes é entendido como um sinônimo de pênis, o que não é de fato.
Quando alguém comenta algo como “Essa torre parece um representante fálico”,
dando uma conotação jocosa de um pênis, isso não caracteriza o que a teoria
freudiana quer dizer com “fálico”. Um representante fálico pode ser um pênis,
mas não quer dizer que todo falo é um pênis. Então, o que é o falo? Trata-se de um objeto ou pessoa que é vista como um detentor ou
representante de um suposto poder sobre o desejo do Outro, que possui algo ou
que é alguém que detém essa satisfação do desejo. Todas essas questões são de
uma suposta representação de ter ou ser o falo, na sua relação com o gozo do
Outro. Mas é suposta porque ninguém o tem de qualquer forma. Ninguém detém esse
suposto poder fálico. Digamos que uma pessoa que comprou um carro potente se
exiba por ai, ou uma mulher se exibe depois de fazer algumas cirurgias por
conta de alcançar um certo grau de beleza. A exposição dessas conquistas
poderia dar a entender a diferenciação da posição do sujeito frente às outras
pessoas que não tem um carro ou não podem fazer uma cirurgia (seja
financeiramente, seja por outras questões), como que possuindo algo simbólico além do que de fato
foi conquistado, algo que satisfaz um desejo do outro: e isso pode soar como um
“deter o poder de....”. Esses pontos aparecem como um representante fálico: o
carro e o corpo. E mais do que isso, que por terem ou serem o falo, irão
despertar o gozo do Outro, mas nem todo mundo vai se interessar por um carro ou
por mudanças do corpo de uma mulher. O falo, portanto, é um significante do
desejo. E todo desejo é insatisfeito, pois da sua relação com o mito do gozo
incestuoso. Todo desejo é sexual, mas
vale lembrar novamente que em psicanálise sexual ou sexualidade não quer dizer
erotismo genital. E claro que, também,
não quer dizer que todo mundo que compra um carro ou quer modificar seu corpo
significa necessariamente querer satisfazer um desejo que não o seu próprio.
Outro ponto importante de se compreender é o Complexo de Édipo, chave
mestre da teoria da psicanálise. Essa teoria acaba indo popularmente numa
direção onde se acredita que “o menino quer ‘pegar’ a mãe” ou “a menina quer
‘pegar’ o pai”, pois no fundo ela é compreendida como a teoria do incesto. Mas
não é bem assim. É preciso entender o que isso quer dizer para os
psicanalistas. Antes de qualquer coisa, deve ficar claro que a consumação do
incesto real entre pais/filhos (ou filhas) não é de nada saudável para os
menores, e que de fato irá ocasionar dificuldades psíquicas que deverão ser
tratadas caso isso ocorra. Freud nunca quis passar a ideia de que se tratava
disso. Mas então o que ele quis dizer quando falava da teoria do incesto? Trata-se
de um fragmentado de entendimento da criança que deseja o pai ou a mãe para si,
mas não na direção de um desejo genital. Quando a criança nasce, ela ainda
precisa aprender que é um ser vivo e que existe outro ser vivo, a mãe. Por um
tempo, ela acaba vendo na mãe uma extensão do próprio corpo, vivendo com ela
como que numa simbiose. Com o tempo a criança percebe que tem aquela mãozinha
que se mexe, aquele pezinho que se mexe, e é algo que começa a ser entendido
como sendo seu, uma parte sua. E com o tempo ela percebe que a mãe não é parte
dela, mas outro ser, ainda que não saiba bem como expressar isso. Em alguma
altura, sabe que tem o “bebê”, a “mamãe” e, de repente, entra alguém na
história chamado “papai”, e esse papai acaba tirando a mamãe de perto dele, do
bebê. Isso é uma frustração para a criança, e uma frustração saudável de
acontecer. Ela percebe que essa mulher escolheu alguém que não ela. A criança
deseja essa mulher como sua, pois vê que a mãe a deseja (ex: os mimos da
maternidade). E não é difícil já se ter ouvido que o menino diz que a “mamãe é
minha”, ou a menina dizendo que vai “casar com o papai”. Não há nada de genital
aqui, é sim um desejo de querer ser para o outro um representante de desejo do
outro, por uma questão simbólica de posição, de ser algo para alguém, de ser um
objeto de amor para a mãe ou para o pai, de ser ou não o falo. É nisso que
Freud se baseia quando diz de uma teoria do incesto.
Por fim, os estudos da psicanálise sobre a sexualidade não vão na
direção do entendimento sobre coito em si, mas mais no interessante das questões
da sexualidade psíquica. Isso foi apenas uma breve explicação sobre essa teoria,
mas é um começo para os que possuem interesse em explorar um pouco mais ela. A
teoria psicanalítica não é um pansexualismo.
Comentários
Postar um comentário